IHU On-Line – Ao acompanhar algumas entrevistas do filósofo australiano especialista em ética, Peter Singer, uma frase marcante foi “A vida humana não tem mais valor que a dos outros animais”. O que representa, para você, enquanto acadêmico de Biologia, e para quem luta pela defesa dos animais, esta afirmação?
Róber Bachinski - P. Singer segue um pensamento baseado na igual consideração de interesses, ou seja, se um ser possui o interesse de não sentir dor, esse interesse deve ser respeitado, independentemente de ser humano ou não. Esses interesses são baseados em um nível de consciência chamado subjetividade ou senciência. Os organismos “sencientes” devem ter seus interesses respeitados. Se desconsiderarmos os interesses de um animal que não quer sentir dor apenas por ele não ser humano, estaremos agindo preconceituosamente. Assim, um interesse humano não tem mais valor que o mesmo interesse de outro animal. Singer avalia apenas o interesse de não sentir dor, por ele considerar o mais básico. Eu discordo: se um ser não sente dor, mas tem consciência da sua liberdade, esse interesse em ser livre deve ser respeitado. O mesmo ocorre para outros interesses, como procurar comida, água e conviver em seu hábitat. Ao desconsiderar os interesses de outros animais apenas por eles não serem da espécie “Homo sapiens”, estamos agindo tão errado quanto quando desconsideramos os interesses de algumas pessoas apenas por elas participarem de outro sexo ou de outra etnia. Esses casos são chamados, respectivamente, de sexismo e racismo, enquanto aquele é denominado especismo.
IHU On-Line - Como podemos estabelecer uma relação entre a já citada afirmação de Singer e outras culturas que integram, por exemplo, a prática do vegetarianismo, além da moda, que também faz uso de peles de determinados animais?
Róber Bachinski - É um grande erro moral desconsiderarmos os interesses mais básicos dos outros animais (como o de não sentir dor, de ser livre, de conviver no seu hábitat, de procurar comida e água) em prol de interesses fúteis humanos (como vestir peles e couros, comer carne, ovos, leites e derivados ou usar um produto testado em animais). Não há um real conflito entre o nosso interesse de comer um pedaço de carne e um interesse básico de um animal em viver a sua própria vida? Assim, se realizarmos essas práticas, estaremos abusando do nosso poder, como antes os brancos já fizeram contra os negros e os homens contra as mulheres.
IHU On-Line – Qual é o limite entre uma ética que, ao mesmo tempo em que defende a vida humana, desconsidera a vida animal? O que é parâmetro para um conceito de ética, diante deste contexto?
Róber Bachinski – Infelizmente, muitas vezes a ética é usada não como uma ferramenta para refletir sobre os atos humanos, mas sim para justificá-los. A escravidão animal é uma prática muito arraigada na nossa cultura e isso torna difícil para muitos filósofos analisar as ações humanas quando os seus interesses estão em jogo. Muitos argumentos arbitrários já foram usados para justificar a exploração animal: a incapacidade de falarem como humanos, ou de pensarem, ou ainda a de autoconsciência. Se considerarmos esses argumentos para determinar quem são os pacientes morais (seres que devem ser protegidos moralmente), muitos humanos ficarão fora desse círculo. Recém-nascidos, por exemplo, não pensam, não falam e provavelmente não são conscientes de si mesmos no mundo, porém consideramos que eles possuem certos direitos. Se analisarmos a maioria dos critérios para justificar as atitudes humanas perante os animais, notaremos que, se expuséssemos a nossa própria espécie a esses critérios, uma grande parte da população humana estaria também excluída das considerações morais. Não há sequer um critério que separe todos os humanos de todos os outros animais.
IHU On-Line – Como é para você ter que lidar com a prática de execução dos animais para fins de pesquisas? De que maneira a comunidade acadêmica lida com esta questão?
Róber Bachinski - Thomas Kuhn, um importante filósofo da ciência, identificou que a evolução do conhecimento acontece através de revoluções de paradigmas. Quando um paradigma não consegue mais explicar certos fenômenos, é substituído por um mais abrangente. Assim também devemos considerar os limites éticos da ciência. Hoje, é inaceitável utilizar animais, como é inaceitável utilizar crianças. Animais e crianças possuem ainda outra similitude com base nos princípios da bioética: ambos não podem consentir com um teste. Não se pode realizar experiências em humanos que não têm condições de entender a pesquisa e consentir com ela (como pessoas em risco social, crianças e pessoas com problemas mentais). Os animais também não possuem condições de consentir, então eles também deveriam ser protegidos por esse princípio. A experimentação animal também está transpassando a linha da ética, quando desconsidera todos os interesses dos animais em nome de um suposto benefício humano ou em nome do simples conhecer. Assim, faz-se necessário derrubar o paradigma científico baseado na utilização dos animais e construir outro através de metodologias substitutivas, fazendo com que a ciência evolua não apenas em termos de conhecimento, mas de considerações éticas.
Embora haja muitos interesses envolvidos no uso de animais (por parte da indústria que vende animais, equipamentos, rações, entre outros e também por parte de muitos pesquisadores que montaram seus currículos baseados na experimentação animal), esses interesses não são mais básicos que aqueles que negamos aos animais. Também noto que muitos professores que utilizam animais se sentem agredidos com essa prática, mas continuam por não saberem trabalhar com outro tipo de pesquisa. A formação acadêmica, que não questiona essas práticas e também dá pouca liberdade para uma pesquisa com outras metodologias, forma profissionais que dificilmente conseguem fugir da experimentação animal e conceber outras metodologias.
IHU On-Line - Que outras práticas poderiam substituir o uso de animais em pesquisas?
Róber Bachinski - São inúmeros os tipos de pesquisa e, cabe ao profissional, que possui mais conhecimento na área, pesquisá-las. Caso não exista uma metodologia livre do uso de animais, então aí já há um trabalho para o pesquisador: criá-la. Não queremos apenas pesquisadores que repitam antigas metodologias, mas que desenvolvam outras novas considerando os apelos da ética e da sociedade. Algumas tecnologias já estão disponíveis, como o uso de cultura de células, microchips que interpretam a toxicidade de substâncias, estudos de casos etc. Porém, há muito ainda que se pesquisar e desenvolver. Diferentemente do uso de animais na pesquisa, em que não sabemos ainda como substituir as diversas metodologias, a substituição do uso de animais no ensino faz-se necessária urgentemente não apenas pelas questões éticas já citadas, mas porque muitas instituições já aboliram essa prática. Na Inglaterra, Alemanha e Áustria, por exemplo, é proibida a utilização de animais na graduação, como também em 71% das faculdades da Itália. Em 75% das faculdades de Medicina dos Estados Unidos, essa prática também é proibida, incluindo Columbia, Harvard, Johns Hopkins, Stanford e Yale. No Brasil, a primeira Faculdade de Medicina que proibiu o uso de animais foi a ABC Paulista. Todos esses cursos demonstram que a substituição no ensino se faz totalmente possível, embora também devamos pesquisar mais nessa área e divulgar para a comunidade científica através de artigos com análise do aproveitamento dos métodos pelos alunos e professores.
IHU On-Line - Em sua opinião, o que torna os animais menos importantes que os homens, no pensamento de quem desconsidera que ambos são vida?
Róber Bachinski - Muitos humanos consideram os animais menos importantes apenas por preconceito. Muitos não conseguem se deslocar do pensamento dominante e cultivado por milênios do ser humano como uma espécie superior que deve dominar todas as outras. Assim, se tornam incapazes de se colocar em posição de igualdade com os seres que compartilham o mundo e que possuem interesses. O mesmo acontece quando um homem se considera mais importante que uma mulher ou certa etnia se coloca como superior. É o uso da força e do poder para subjuga |
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